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Os nomes do amor e a fé na vida

Por Humberto Oliveira

27/04/2024 13h02 Atualizada há 2 semanas
Por: Hely Beltrão Fonte: Conectado News
(Reprodução/Instagram/@jfantazzini)
(Reprodução/Instagram/@jfantazzini)

Ao radialista Luiz Santos,  por seu artigo lúcido e corajoso: "O que é mais importante: a vida de um cachorro ou de um pai de família?"

Confundido com a paixão amorosa que, por seu caráter de irracionalidade, pode levar os humanos a se perderem, não sabendo que  “deixam o céu por ser escuro /E vão ao inferno à procura de luz” como nos lembra o poeta Lupicínio Rodrigues, -o Amor, – eu faço questão de escrever seu nome assim, com maiúscula- tem sido ora ridiculizado, ora utilizado como mais um item de consumo na vasta pauta de uma sociedade que tende a tornar tudo mercadoria. Ou seja, há uma contínua banalização deste afeto que verdadeiramente humaniza o ser humano.

Isto porque, sem o afeto amoroso, o Homem é mero animal irracional que, se procria, não sabe criar, sua semente nasce sem garantias mínimas de sobrevivência, pois lhe faltará o Cuidado, outro nome do Amor.

Claro que vem logo à mente os milhares de filhos sem pai, com genitores  fugindo de suas responsabilidades exatamente por serem incapazes de amar. Mas pensemos também nas infelizes mulheres que, por falta de condições psíquicas, emocionais e financeiras, renunciam a viver o amor materno, abandonam suas crias ou transferem sua Responsabilidade – outro nome do Amor – para terceiros. Basta ver as milhares, talvez milhões de avós e bisavós criando filhos de filhas e filhos.

 Mas, recuemos no tempo e pensemos na crueldade da escravidão. A desumanização não era apenas pela violência física com que se tratavam os escravizados. Era pela condenação a viver sem o direito de amar, sem poder viver no Afeto – mais um nome do Amor-  sem poder viver junto com quem se ama, vendo até os filhos serem vendidos como mercadoria. Esta era a verdadeira desumanização da escravidão. Diferente da outra escravidão em outros rincões deste mundo, onde o escravizado era integrado à família que o adotava. Com os africanos trazidos como escravos era a interdição de Amar,  a brutalidade de viver sem direito ao Amor.

Claro que para viver no amor e viver com amor, é preciso conhecer quem se ama.  Esta é uma condição bem diferente da paixão amorosa, em si mesma cega, onde nos atiramos no desconhecido, nos entregamos sem pensar e sem reservas e depois nos desiludimos. Sim, perdemos a ilusão. Quantas vezes ouvimos dizer “não conheço mais quem eu pensei amar!” Não conhecia,de fato, deixou-se prender por uma faceta, uma ilusão.

 Quando se ama verdadeiramente, aceita-se a outra pessoa com seus defeitos e virtudes, pois o conhecer é condição prévia para o acordo amoroso, o pacto de convivência. Enfim, como nos ensina o filósofo Erich Fromm, é preciso ter fé em si mesmo e ter fé no Outro,  “ter fé requer coragem , a capacidade  correr um risco, a disposição de aceitar mesmo a dor e a decepção [ pois] quem quer que insista na incolumidade e na segurança como condições primária da vida não pode ter fé; quem quer que se feche num sistema de defesa, em que a distância e a possessividade sejam seus principais meios de segurança, faz de si mesmo um prisioneiro.  Ser amado e amar requerem a coragem de julgar certos valores como sendo de extrema preocupação, de saltar à frente e apostar tudo nesses valores”.

E que não se pense que a fé, aqui em questão, é a fé cega e obediente que não aceita a dúvida. Muito pelo contrário. Esta é a fé racional que move mães e pais a se dedicarem à criação de filhos, ou os professores que, intuindo o futuro do estudante tentam lhe mostrar suas potencialidades e que não desistem mesmo se pareçam, por vezes, pregar no deserto. Não desistem. Insistem.

Talvez pela dificuldade em  viver o Amor como uma atividade que exige dedicação, cada vez mais os  seres humanos estejam adotando pets como filhos e filhas, e por eles se tomem de paixão amorosa, a eles jurem fidelidade e “amor eterno”. Talvez, por medo de amar, por falta de fé em si mesmo e na humanidade,  por temer este salto no escuro em busca da luz que somente o Amor pode oferecer, os indivíduos estejam optando, sem saberem,  por comprarem o afeto, pagarem para amar, sem sustos ou  inquietações, aos animais irracionais que reagem sem surpresas aos comandos de seus donos e donas. Pois o pet, não importa sua origem, raça ou cor, todos têm uma identidade fixa, não mudam, jamais, sua natureza.

  Para gente assim, a humanidade,  em constante devir,   passa a ser um insuportável fardo a tolerar, pois lhes falta a fé em si mesmo, na humanidade e fé na própria vida. E, como marca maior desta humanidade cheia de pesadas couraças, o ressentimento e mesmo o ódio ao Humano que lhes ressecam o coração e os tornam incapazes de Compaixão outro nome do Amor-  os fazem virar o rosto ao sofrimento do Outro, desconhecem a solidariedade – mais um nome para o Amor. Mas, tenhamos tolerância – que bem pode ser outro sinônimo para o Amor-  não é por maldade, acreditamos que seja exatamente e tão somente por medo de Amar.

Por Humberto de Oliveira, professor e escritor.

Humberto de Oliveira é professor titular de Língua e Literatura francesas, aposentado, é tradutor, contista, ensaísta e romancista, e também editor da revista bilingue https://revistacadernosdosertao.wordpress.com/  Por seu trabalho de difusão da língua e da cultura francesas recebeu do Governo francês a Comenda de Chevalier dans l’Ordre des Palmes académiques.  https://humbertodeoliveira.com.br/

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