Outro dia, estava no salão esse santuário de espelhos, escovas e confidências involuntárias quando duas mulheres engataram uma conversa animada sobre a separação de uma influenciadora digital. Sim, aquela que coleciona milhões de seguidores, filtros e likes. Eu, ali sentada, esperando minha vez, fui ouvindo. Primeiro, achei curioso. Depois, engraçado. Em seguida, irônico. E, por fim, francamente preocupante.
Elas debatiam, com uma intensidade digna de debate político, o valor da pensão dos filhos da influenciadora, a disputa pela guarda, os rumores sobre um possível novo affair… Era como se fossem tias íntimas da moça, confidentes de longas datas, embora jamais tivessem cruzado com ela nem na fila do supermercado.
A cena me fez pensar nesse fenômeno que a cultura digital vem promovendo: uma aproximação que, ao invés de aproximar pessoas, parece nos afastar de nós mesmos. Estamos nos tornando especialistas em vidas que não são nossas, torcedores fervorosos de casais que nem sabem da nossa existência, estudiosos da dor alheia, enquanto a nossa própria vida segue, às vezes, à deriva. É como se estivéssemos trocando o protagonismo pela plateia. Vivendo não a nossa história, mas capítulos aleatórios da novela dos outros. A separação da influenciadora vira pauta quente, e nossa própria solitude, nossos silêncios, nossa rotina isso tudo é varrido para debaixo do tapete emocional.
Mais assustador ainda é perceber que muita gente consome essa vitrine digital como se fosse realidade pura, quando, na verdade, grande parte é roteiro bem ensaiado. A influenciadora sofre, chora, mas entre um story e outro, está vendendo aquele colágeno milagroso, aquele suplemento que promete energia e aquele livro de autoajuda que ela mal teve tempo de folhear.
É tudo um grande espetáculo. E nós, na plateia, pagamos ingresso com nossa atenção, nosso tempo, e por vezes, com nossa própria sanidade. Porque quanto mais nos envolvemos com a vida do outro, mais desatentos ficamos com a nossa.
A pergunta que fica é: até onde vamos com tudo isso? Vamos continuar vivendo a novela digital da semana ou teremos coragem de assumir o roteiro da nossa própria história? Essa obsessão cibernética, que começa como distração e termina como vício, é o novo vício silencioso do século.Não sei se isso vai passar ou se veio para ficar. Só sei que talvez seja hora de, ao menos, sair do salão com algo mais do que um novo corte de cabelo. Quem sabe com um novo olhar sobre nós mesmos.
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