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Silêncio no Congresso Nacional, porrada nas salas de aulas

Por Carlos Alberto, Professor e Radialista

24/10/2025 07h09 Atualizada há 3 horas
Por: Hely Beltrão Fonte: Conectado News
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Que o Brasil é um país de muitos partidos e políticos, todo mundo sabe. Que o Brasil vive, uma polarização política, isso todos sabemos também. O que talvez muitos de nós não saibamos é que a imensa maioria desses políticos, quando estão à procura do voto do eleitor, dizem que, se eleitos, a educação será “prioridade”; que farão isso, aquilo e aquilo outro em favor da educação e dos educadores. Mas, ao final, muitos são eleitos - na maioria das vezes, os mesmos políticos conseguem se (re)eleger -, e tudo segue como d’antes.

FALANDO EM POLÍTICA

No Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) do Brasil as chamadas “bancadas” estão organizadas de formas diferentes. Existem, atualmente no Brasil, as bancadas PARTIDÁRIAS, que são os grupos de deputados ou senadores que pertencem a um mesmo partido ou federação de partidos; as bancadas REGIONAIS, formadas pelos grupos de parlamentares de um mesmo estado ou região que se organizam para defender interesses comuns de determinados territórios; e as frentes parlamentares ou bancadas TEMÁTICAS INFORMAIS.

Entre as bancadas Temáticas Informais, que são os grupos informais de parlamentares (de diferentes partidos) unidos por uma pauta temática comum, é possível citar a bancada da segurança, bancada dos direitos humanos, da educação, evangélica, ruralista etc. Caso muito conhecido no país é a chamada ‘Bancada BBB’, ou seja, bancada da Bala, da Bíblia e do Boi. 

A expressão Frente Parlamentar da Segurança Pública, mais conhecida como Bancada da Bala, envolve um conjunto de parlamentares - deputados federais e senadores - que se identificam ou são identificados com pautas de endurecimento da segurança pública, flexibilização do controle de armas, armamento civil, aumento de penas, entre outras. A Frente Parlamentar Evangélica (também chamada de “Bancada da Bíblia”) é um grupo informal de parlamentares que se identificam com pautas evangélicas no Congresso Nacional brasileiro e dizem defender, em geral, pautas relacionadas a “valores de família”, moral cristã, são contra aborto, contra certas liberdades de pautas LGBTQIAPN+, liberdade religiosa, enfim. 

Já a expressão Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também chamada popularmente de “Bancada do Boi” ou “bancada ruralista”, refere se a um conjunto de parlamentares no Brasil que defendem os interesses do agronegócio, da pecuária, dos grandes proprietários rurais. É um grupo de parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que se autodeclaram ou são identificados como alinhados ao agronegócio, à pecuária, à produção rural ou à defesa dessas pautas. Dito isto, voltemos ao título do escrito de hoje: Silêncio no Congresso Nacional, porrada nas salas de aulas.

BRASIL: CASOS DE VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS

Tem país onde professor dá aula. No Brasil, ele também precisa se desviar de soco, empurrão, celular voando e, muitas vezes, até de martelo. Sim, martelo. Em João Pessoa, o professor estava aplicando uma prova e levou marteladas de um aluno de 17 anos. Isso mesmo. Não é figura de linguagem - foi com martelo mesmo. Ferramenta de obra. De matar aula ou professor? De obra, porém, neste caso, usado para, quiçá, matar o professor. Porque, no Brasil, ao que parece, educação virou ‘esporte’ de risco. 

Em Brasília, um professor levou um tapa de um aluno? Não. O contrário. O professor deu o tapa - depois de ser provocado e filmado, isso virou manchete. O professor foi afastado. Cancelado. Julgado. Tudo em tempo real. A aula mesmo? Interrompida, claro. Mas isso ninguém achou tão grave. Em Brasília outra vez: um docente foi agredido por dois alunos após proibir uso de celular. Resultado: empurrões, tapas, fora da escola.

Mais: 

No Paraná, outro educador foi agredido dentro da escola. Em São Paulo, um professor de 62 anos levou um soco no rosto de um aluno de 14 anos. Ele sangrou. E depois decidiu: “Não quero mais dar aula”. Difícil culpar o ‘Mestre’. Talvez ele quisesse tão somente ensinar português, não lutar MMA. Também em uma escola estadual na capital de São Paulo, um aluno de 13 anos esfaqueou professores e matou uma professora de 71 anos.

Pois É! Basta uma rápida pesquisa no google para perceber que as agressões a professores não são apenas eventuais, há uma incidência significativa país afora. A maioria das agressões é verbal ou de natureza psicológica - é verdade -, mas incluem ainda um grande número de agressões físicas e até morte. 

A agressão mais recente veio a público nesta segunda-feira (20), e aconteceu no Centro Educacional 4 (CED 4) do Guará I (DF), quando um professor de 53 anos foi agredido pelo pai de uma aluna depois de chamar a atenção da estudante pelo uso de celular em sala de aula, o que é lei. Ou seja, está proibido o uso do celular em sala de aula, exceto para uso educacional.

O QUE DIZEM AS PESQUISAS

Uma pesquisa de agosto/2022, disponível em https://maringapost.com.br/ com cerca de 5.300 professores, revelou que 80% deles relatam violência na escola em que trabalham. Desses, 51,23% informaram agressão verbal. No estado de São Paulo, em 2023, cerca de 13% dos professores da rede estadual disseram ter sofrido agressão verbal ou física no último ano, segundo publicado em ISTOÉ Independente.

Ainda em São Paulo, em estudo anterior, 44% dos professores da rede estadual declararam que já haviam sofrido agressão verbal - com índices de agressão física mais baixos, mas presentes, de acordo com a (APEOSSP). Em outro levantamento, 70% dos professores disseram que a agressividade dos alunos aumentou após o retorno às aulas presenciais. (CNN Brasil). Em outras pesquisas, professores relataram agressões físicas, verbais, furtos, assédio moral e ameaças.

Segundo a literatura, há indícios de que essas agressões aumentaram ou pelo menos pioraram após a pandemia / retorno presencial. Os agressores envolvem majoritariamente alunos, mas também pais ou responsáveis aparecem nas estatísticas, pois 25,6% dos casos de violência contra professores foram cometidos por pais. (CNN Brasil). Vide o caso do CED 4 do Guará I (DF), já relatado. 

Fato é que os dados variam bastante entre regiões e redes (estadual, municipal, privada). Muitos casos não são registrados oficialmente ou documentados de forma sistemática, o que pode significar que a realidade seja ainda mais grave. Enfim, a natureza “violência” abrange várias formas - verbal, psicológica, física - o que exige cuidado para entender “agressão” - em sala de aula ou relativo a ela - em diferentes sentidos.

Enquanto isso, a bancada da bala, no Congresso Nacional, discute mais armas nas mãos de civis, fala em "autodefesa", em "liberdade individual". Nenhuma linha, nenhuma vírgula sobre salas de aula, sobre professores agredidos, sobre alunos que confundem o espaço sala de aula com ringue. A violência não começa com a arma, mais sim quando a escola vira depósito, quando o professor vira inimigo, quando o Estado se esconde atrás da blindagem e da bala, e deixa o giz - ou o piloto para o quadro branco - sangrar em silêncio. Mas, ao que parece, ninguém se importa. Afinal, bala dá manchete. Educação, nem sempre.

Cabe dizer que quando um professor é agredido não é apenas o tapa que ecoa, mas o grito surdo de uma escola que se esfarela. Nesse ínterim, no Congresso - repito -, a Bancada da Bala, aquela ala que pressiona por mais armamento, mais repressão, mais “lei e ordem”, se ergue com pompa, recebe holofotes, faz discursos inflamados. 

E o que se faz com o professor vitimado? Com o aluno que xinga? Com a turma que filma a cena e compartilha como troféu? O Estado reage com protocolos, afastamentos, investigações sigilosas, o Congresso Nacional se mantém em silêncio e a sociedade assiste. E o que brota dessa terra de declarações? Ainda não se sabe ao certo. A única certeza é que já passou da hora da bancada da educação levantar a voz, tratar da valorização – em todos os sentidos - do professor, da sala de aula que está se tornando campo de batalha, da necessidade de destinar mais verbas para a educação... E segue a lista. 

No entanto, por enquanto, o que se tem assistido é a Bancada da Bala discutir revólver, calibre e porte, ao passo que a bancada que deve proteger o giz / o piloto, o caderno, o professor que se arrasta na madrugada para planejar aula... essa, se existe, também só assiste a tantas violências pelos chãos das escolas. No fim, o aluno investe contra o professor e este se resvala para o lado triste da autoridade. 

Também! Num país em que se celebra a bala como símbolo de controle, a lousa/o quadro sangra, e o giz / piloto, estilhaçados, jaz no chão. Aí os discursos ecoam ‘lá fora’. Mas quem defende a bancada da educação? Quem ergue o escudo para o professor agredido, para a classe de trabalhadores que cuida de vida? Estamos por nossa própria conta.

Dá pra imaginar um parlamentar dizendo: “Vamos valorizar o professor, aumentar o salário, proteger a escola”! - Sim! Com raríssimas exceções e tempos que não sejam os de ‘caça aos votos’, é possível imaginar. No resto, ficam as últimas perguntas: cadê o lobby da borracha branca? Cadê os governantes? Cadê o Congresso Nacional? Cadê a bancada da educação? Cadê a indústria do apagador? Cadê a sociedade brasileira? Cadê os sindicatos que representam os professores? Melhor, cadê os professores?

Enquanto não aparecem, sigamos. Quiçá, um dia criem a bancada do giz / do piloto ou quem sabe até uma CPI do apagador. Até lá, nós, os professores devemos seguir ‘armados’: com coragem, paciência e sem, jamais, deixar de lutar por nossos direitos. Pois, como afirma a citação atribuída a Rui Barbosa "quem não luta pelos seus direitos não é digno deles". Continuemos na luta! Ou acordemos pra ela!

p.s. Ah! Quase ia esquecendo aquela que pode ser considerada como a pior das violências contra o professor: o salário pago a este profissional. Segundo o relatório internacional Education at a Glance (EaG) 2024 da Organização Para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 2015 e 2021, o investimento do país, da educação básica à superior, caiu em média 2% a cada ano. Anualmente, o governo gasta em média R$ 20,5 mil com cada estudante do ensino público. Segundo o relatório da OCDE, esse valor corresponde a um terço do que países ricos investem. (https://cnte.org.br/).

O valor “gasto” (não seria investimento?) com em média com cada estudante do ensino público envolve, entre outras ‘despesas’, salário de professor. Neste sentido, o documento afirma ainda que “os professores brasileiros também são os que apresentam menores remunerações. O salário mínimo recebido dos educadores do Ensino Fundamental no Brasil é 47% menor que a média da OCDE”. 

Embora a lei determine que o piso salarial nacional para professores da rede pública seja de pouco mais de R$ 4.800, para jornada de 40 horas semanais, esse valor varia de acordo com o estado e município. O salário médio de um professor varia bastante dependendo do nível de ensino, tipo de instituição e qualificações, mas pode oscilar entre R$ 2.500 e R$ 6.000 (ensino fundamental/médio) a R$ 4.000 a R$ 20.000 ou mais (universidade). Sem contar os baixos salários pagos na iniciativa privada Brasil afora. 

Carlos Alberto - professor, radialista e mestre de cerimônias.

 

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