Ainda estava escuro quando duas senhoras chegaram à porta de uma clínica, no centro de Feira de Santana. Era pouco mais de cinco e meia da manhã. Elas esperavam por uma consulta. Consultas que, no papel, são direitos, mas que na prática exigem madrugar, enfrentar o frio, a insegurança, e se arriscar na rua quando a cidade ainda nem acordou.
As câmeras de segurança registraram a cena que revoltou e entristeceu. Um homem de bicicleta se aproxima, ameaça, arranca o celular das mãos de uma delas. Há resistência, há luta corporal. Poderia ter sido pior. Poderia ter havido uma arma. Poderia ter havido uma vida interrompida. Felizmente, não houve. Mas houve a violência, houve o desrespeito, houve a marca.
E a gente assiste a tudo e se pergunta: até onde vamos chegar?
Um celular, muitas vezes comprado a prestações, fruto de esforço, dividido em doze vezes no cartão, se torna motivo de confronto. Para alguns, um “furto insignificante”. Mas não é. Nunca foi. Alimenta a engrenagem do crime, fere a dignidade de quem perde, aumenta o medo de quem vê. E o medo, esse sim, é devastador.
O episódio me trouxe lembranças da minha criação. Minha mãe não me deixava trazer nem um lápis da escola que não fosse meu. Se chegasse em casa com algo estranho, tinha castigo ou devolução imediata. Naquele tempo eu achava exagero, implicância. Hoje, agradeço. Foi ali, naquelas pequenas lições, que aprendi o valor da honestidade. E percebo: o que falta muitas vezes não é só lei dura, é raiz, é valor, é educação que começa dentro de casa.
Mas a cena também grita outras carências. A saúde pública que não dá conta. Idosos madrugando para conseguir um atendimento que só começa horas depois. É a violência que não dá trégua. É o trabalhador que sai às quatro e meia da manhã para garantir o pão de cada dia e já encontra o risco à sua espera na esquina. Dois mundos se cruzam ali: o da necessidade por saúde e o da criminalidade que rouba a paz.
Fico pensando no futuro. Todos nós chegaremos à terceira idade. Todos nós dependeremos de cuidados, de respeito, de segurança. Ver duas idosas naquela situação é como olhar para o amanhã e sentir medo do que nos espera. As imagens me abalaram, mas também me lembraram que ainda há algo em que me apoio: os valores que herdei. A educação moral, o senso de justiça, o respeito pelo que é do outro. O mundo é cheio de caminhos tortuosos, mas o que pode nos manter firmes diante deles é aquilo que recebemos dentro de casa.
E enquanto penso nisso, agradeço a Deus que aquelas senhoras estão vivas. Porque, mesmo em meio a tanta indignação, sobreviver já é um alívio. Mas não deveria ser só isso. Não deveríamos viver com a sensação de que escapar da morte é uma espécie de vitória diária.
Onde iremos chegar? Não sei. Mas sei que as respostas não estão apenas nas leis, nem apenas nas ruas. Estão, também, dentro das casas, nas lições que passamos, nos exemplos que deixamos. Porque a violência de hoje, muitas vezes, nasce da ausência de valores de ontem.
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