As cenas que o mundo assistiu nos últimos dias - helicópteros sobrevoando favelas, tiroteios ininterruptos, caos no trânsito, escolas fechadas, comércio com as portas lacradas, famílias presas em casa, corpos estendidos no chão, acusações por todos os lados - poderiam muito bem vir da Faixa de Gaza, de Kiev ou de quaisquer outros territórios em guerra. Ledo engano. Não foram cenas de nenhum local que está no que se convencionou reconhecer como guerra: foram (e são) imagens do Rio de Janeiro, em pleno outubro de 2025.
A MEGAOPERAÇÃO
Na manhã desta terça-feira, 28 de outubro de 2025, no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, teve início uma megaoperação policial que envolveu mais de 2.500 agentes de segurança pública e, segundo informações colhidas, ao final deixou ao menos 121 mortos e 113 presos. Entre os mortos, segundo as próprias forças de segurança do Estado, quatro eram policiais - enterrados com “honras militares”.
O saldo, segundo a AP News, o The Guardian e tantas outras mídias nacionais e internacionais é comparável ao de zonas de conflito armado. A descrição oficial fala em “combate ao tráfico”, mas, para quem vive sobretudo naquelas favelas, a sensação foi - e continua sendo - de bombardeio: uma guerra não declarada, travada diariamente nas esquinas da cidade.
OS DADOS
Segundo o Atlas da Violência 2024, o estado do Rio de Janeiro registrou 4.292 homicídios em 2023, o que representa 14% a mais que no ano anterior. Esse dado contrasta com a queda da média nacional e revela um padrão alarmante: a violência concentrada nas grandes metrópoles e nas periferias. Some-se a isso o fato de que duas pessoas são mortas por dia em ações policiais - e 86% das vítimas são negras.
Esses números desmontam o mito de que “a guerra é lá fora”. A guerra é aqui. A diferença é que, no Rio, salvo melhor juízo, ela é travada diariamente entre o Estado e a pobreza; entre a polícia e o povo que ela deveria proteger. A favela, no Rio ou em qualquer outro lugar do país, é tratada como território inimigo, e seus moradores parecem “suspeitos” por existir.
Importa deixar claro que, ao afirmar que há uma guerra não declarada nas favelas, não se está, de modo algum, defendendo o banditismo ou relativizando o crime. O tráfico, as milícias e todas as formas de violências - armadas ou não - precisam, sim, ser combatidos com firmeza. O que se questiona é a lógica de combate que transforma comunidades inteiras em alvos e cidadãos em inimigos. Afinal, defender direitos, justiça social e uma política de segurança humana, não é defender criminosos: é defender o Estado de Direito e a vida de quem está no meio do fogo cruzado.
OS DISCURSOS
Enquanto isso, os discursos oficiais são de “segurança pública”, quando, na prática, o processo é de militarização. As forças de segurança têm atuado como exércitos, e a política parece ter se acostumado com o número de mortos, tratando-os como “danos colaterais”. E a sociedade? Bem, a sociedade, com exceções individuais, aparenta estar anestesiada: a morte virou rotina.
Ao mesmo tempo em que o mundo lamenta Gaza, Ucrânia ou Haiti, por aqui estamos esquecendo que há corpo(s) cai(n)do no asfalto brasileiro em proporções semelhantes. E o pior: não precisamos de tanques russos, de drones israelenses ou de nada parecido para falar em guerra. Por aqui, os blindados e helicópteros cumprem esse papel.
ANALOGIA
Se for possível fazer uma analogia, assim como existem Putins, Netanyahus e Trumps espalhados pelo mundo, também há, aqui, governantes e sistemas que escolhem a força em vez do diálogo, o medo em vez da política, a bala em vez da justiça social.
Pode-se dizer, com base em dados, que a globalização da violência é mais do que real - e, no caso do Brasil, o Rio tem se apresentado como o ponto da superfície terrestre imediatamente acima do hipocentro, isto é, o epicentro dessa violência há anos.
AS GLOs
Como resultado da megaoperação no Rio de Janeiro, além das mortes, prisões e de tudo o que possa ter sido desencadeado, voltou à tona no Brasil a discussão sobre a Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A GLO é uma operação prevista na Constituição e regulamentada pela Lei Complementar nº 97, que autoriza o emprego das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) em ações de segurança pública em situações excepcionais - quando há esgotamento das forças policiais locais. A utilização desse instrumento jurídico e operacional é assunto para outro texto.
Segundo dados do Ministério da Defesa, informados pelo R7 Planalto, o governo federal já decretou 22 vezes operações de GLO no estado do Rio de Janeiro desde 1992. A última foi decretada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro do ano passado, para garantir a segurança das comitivas que participaram da cúpula do G20, bloco que reúne as maiores economias do mundo, no Rio de Janeiro.
Para alguns, a decretação da GLO significa a restauração da ordem pública, a garantia da segurança das pessoas e do patrimônio, concedendo temporariamente poder de polícia aos militares envolvidos na operação. Para outros, representa apenas uma demonstração de força - o poder do Estado medido pelo calibre de seus armamentos.
HÁ SOLUÇÃO?
Seja como for, é preciso relembrar que o Estado jamais deve se furtar ao combate a todo tipo de violência, de crime, de banditismo. No entanto, após tantas decretações de GLOs apenas no estado do Rio de Janeiro, a solução não parece estar em mais armas, mas sim em mais presença do Estado. Isso significa dizer mais educação, mais oportunidades, mais cultura, mais médicos, mais saúde, mais lazer [...] mais dignidade para o povo brasileiro, sobretudo os menos favorecidos.
Somente assim o Brasil continuará sendo - ou voltará a ser - um país de paz. E o Rio de Janeiro precisa, urgentemente, voltar a ser a cidade maravilhosa. Não um reduto de horrores.

Por: Carlos Alberto - professor, radialista e mestre de cerimônias.
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