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O que estão fazendo com as nossas crianças?

Por Emanueli Pilger, Mestra em Comunicação pela UFRB

01/07/2025 08h12
Por: Hely Beltrão Fonte: Conectado News
Adolescente queria viajar para o Mato Grosso do Sul para encontrar uma garota com quem mantinha um relacionamento virtual; impedido pelos pais, matou a família • Reprodução
Adolescente queria viajar para o Mato Grosso do Sul para encontrar uma garota com quem mantinha um relacionamento virtual; impedido pelos pais, matou a família • Reprodução

Fiquei perplexa com o caso recente do adolescente de 14 anos, no Rio de Janeiro, que matou os pais e o irmão mais novo. Ao confessar o crime à polícia, não demonstrou arrependimento, nem remorso. Como chegamos até aqui? O que está acontecendo com a mente dos nossos jovens? Esse episódio, embora extremo, escancara uma ferida profunda e silenciosa: a ruptura da realidade psíquica em muitos adolescentes, que lutam diariamente para tentar se encaixar em um mundo que exige muito, cobra demais e acolhe de menos.

Esses dias, conversando com uma amiga, mãe de um adolescente, ela desabafou: “Ele tem tudo, mas vive reclamando… nada parece suficiente. ” Na hora, lembrei da minha infância. A gente mal tinha o que comer. Muitas vezes era preciso economizar no almoço para garantir a janta. Brinquedo? Era com caixa de papelão, garrafa velha. Até hoje tenho uma cicatriz na perna de uma dessas brincadeiras.

Mas, sabe? A gente era feliz. Tinha pouco, mas sonhava. E, o mais importante: não cobrava dos nossos pais o que sabíamos que eles não podiam dar. Minha mãe sempre apostou na educação. Acreditava, e nos fez acreditar, que era o único caminho para mudar de vida. E foi com essa esperança que crescemos.

Hoje, as crianças e adolescentes têm tudo nas mãos. Têm acesso à informação em tempo real, à internet veloz, a dispositivos inteligentes e redes sociais que conectam o mundo em segundos. Mas também carregam algo que, no meu tempo, a gente mal ouvia falar: depressão, crises de pânico, ansiedade extrema, automutilação e pensamentos suicidas. Isso dói e muito. Dói perceber que, mesmo com todos os avanços da tecnologia, com o aumento do consumo e das possibilidades de entretenimento, a saúde mental dessa geração parece cada vez mais frágil, mais vulnerável.

Falta silêncio, sobra comparação. Falta afeto real, sobra cobrança virtual. Vivem em um mundo acelerado, hiperconectado, mas muitas vezes desconectado da escuta, do abraço, do tempo de ser criança. É como se tivessem tudo, mas, ao mesmo tempo, faltasse o essencial: acolhimento, estabilidade emocional e espaços seguros para existir sem julgamento.

As crianças estão trancadas em casa, nos quartos, presas aos celulares, tablets, redes sociais. A gente até entende: o mundo lá fora está perigoso, e a correria da vida não ajuda. Mas, no meio disso tudo, elas foram se afastando do essencial: o contato, a brincadeira, a vida simples. Hoje, muitos vivem para ostentar. Ser “o maioral” virou meta, mesmo antes de a vida começar de verdade. E, nesse caminho, vão se perdendo reféns de um mundo onde o que importa é mostrar, parecer, consumir. Não sentir. Não viver de verdade.

Pergunto-me: como éramos tão felizes com tão pouco? E por que, com tanto, essa geração parece tão infeliz? A resposta talvez esteja naquilo que deixamos de ensinar: que felicidade não se compra, se constrói. E começa nas coisas simples, nas conexões verdadeiras, longe das telas e mais perto do coração.

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