A Constituição de 1988 consagrou a igualdade entre mulheres e homens e estabeleceu como objetivo da República o combate à discriminação por gênero. Apesar disso, segundo ranking do Fórum Econômico Mundial que mede a igualdade de gênero, o Brasil ocupou a 94ª posição em uma lista de 146 países em 2022.
Segundo a Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestra e doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências e pesquisadora no campo da sexualidade e gênero, Izaura Santiago, a mulher obteve muitas conquistas nas últimas décadas, mas, ainda existe muita coisa que precisa mudar.
"Uma questão que é muito importante nesse aspecto são as ações do ponto de vista da educação. Da informação acerca das questões dos direitos de mulheres, meninas e jovens. A cultura normalmente coloca em um lugar subalterno e de alguma forma acaba nos associando a uma visão muito mais do cuidado com a família, filhos e pessoas que precisam de algum cuidado, como também no aspecto da sexualização dos nossos corpos, da exploração, penso que esses são alguns eixos que precisamos trabalhar. Primeiro as iniciativas do ponto de vista político, no sentido de resguardar os nossos direitos, a partir de ações que promovam a equidade entre os gêneros, com a questão da equidade no ambiente de trabalho, garantia de um ambiente que seja livre de assédio e outros tipos de violência, o acesso a educação que hoje já se faz de uma maneira muito efetiva, existe hoje um número maior de mulheres, inclusive em formação, de acesso a educação, porém, quanto ao acesso ao mercado de trabalho e aos cargos de poder, nós ainda temos muitas restrições, porque ainda existe as questões das maternidades, das funções entendidas como femininas e em geral, quando nós mulheres estamos no mercado de trabalho, essas justificativas são utilizadas para salários desiguais, não acesso a cargos de liderança e de poder. Deve-se investir na educação com o sentido de questionar esses valores e também, e em legislações que possam garantir a equidade de nossos direitos. Outro ponto que também é importante, são para questões que dizem respeito a nossa saúde, direitos reprodutivos, acessos aos métodos contraceptivos, locais de atendimento a saúde adequados para todas as mulheres, acesso ao aborto legal nas condições previstas por lei, que são os casos de violência, risco de vida para a mãe, fetos com anencefalia, esses direitos que já são garantidos por lei precisam ser trabalhados através da educação, de campanhas, para que tenhamos nossos direitos respeitados e ampliados", disse.
Izaura vê com bons olhos a Lei Maria da Penha, mas no seu entendimento, precisa ser atualizada.
"Como todas as leis, a Maria da Penha precisa ser adequada as situações contemporâneas. Para além disso, a Maria da Penha é uma lei que trata da questão da violência contra as mulheres, qualificando como Feminicídio, as ações contra assassinatos e mortes de mulheres, mas ainda temos uma questão muito séria que é a formação das pessoas que são operadoras da lei. Pessoas que trabalham nos órgãos de aplicação das leis, como as delegacias, as polícias Civil e Militar, os órgãos de defesa das mulheres, ainda precisa de aprimoramento no sentido de tratamento dessas equipes, para que haja um melhor acolhimento dessas mulheres e a garantia dos direitos. Existem outras situações como a violência obstétrica, que é recorrente em alguns espaços de saúde, e é preciso que isso seja debatido e apresentado e que possamos também educar essas equipes para que essas situações não ocorram. É necessário que ocorra também a divulgação, pois muitas pessoas não tem conhecimento sobre essas leis, que existem locais específicos para o atendimento de mulheres, locais para acolhimento, abrigos, medidas protetivas para os casos mais graves de violência. O melhor local para a divulgação são as escolas e os meios de comunicação, emissoras de rádio, TV com campanhas nesse sentido".
Ainda segundo a pesquisadora, a cor da pele ainda é um fator determinante para o aumento da violência de gênero.
"Precisamos pensar que as pessoas, não so as mulheres, são atravessadas por outros elementos que condicionam a sua existência, que são as questões de raça e classe social, condição de acesso a educação, mas principalmente essas questões de raça e etnia, associada a identidade e orientação sexual também, com a mulher negra as questões são mais acirradas por que se acrescenta o racismo, quando você em uma mulher negra, pobre, transexual, lésbica, essas violências tendem a se acirrar. Quando você tem o que se chama de desinterseccionalidades, todos nós temos essas questões, isso é importante ser considerado na perspectiva de proteção, cuidado, acesso a educação e meios de proteção a essas pessoas, levando em conta a condição de vida dessas pessoas em seus atravessamentos, de raça, classe, orientação sexual e identidade de gênero também", comentou.
Izaura Santiago finalizou afirmando que as leis tem de ser cumpridas e a pessoas devem ser educadas através da escola e meios de comunicação, para não cometerem atos de assédio e comercialização de músicas que desvalorizam a mulher.
"É preciso levarmos em conta que não é um fato novo, isso já acontece há algum tempo, existem muitas denúncias não só contra o bloco Muquiranas que tem esse histórico de violência e desqualificação das mulheres, e a própria questão das letras de músicas, as três músicas finalistas do Carnaval 2023, desqualificam a mulher do ponto de vista de uma visão sexualizada e utilitarista do corpo feminino. Temos uma lei muito importante, que é a Lei Anti Baixaria, sancionada no município do Salvador, proibindo a divulgação dessas letras de músicas ofensivas, que atentam contra a dignidade das mulheres, que são alusivas a abusos sexuais e outras situações do tipo, só que não temos visto um cumprimento tão efetivo dessas leis, temos levantado a importância do seu cumprimento, da efetivação de ações educativas e quando necessárias punitivas em relação a pessoas ou agremiações que estejam perpetrando esse tipo de ação violenta. Claro que pensamos na logica do processo de divulgação de campanhas e trabalhos no sentido de que isso não volte a acontecer, mas também as pessoas precisam ser conscientizadas de que suas atitudes tem consequências, precisam responder pelos atos que fizeram, por isso é preciso pensar na perspectiva de educação mas também numa resposta a sociedade, por que isso não é aceitável", concluiu.
Reportagem: Emanuelle Pilger
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