Em entrevista concedida ao Programa Levante a Voz da Rádio Sociedade News FM, concedida na manhã desta terça (30), o Dr. em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Zaqueu Silva, traz em seu curso Racismo para Alem do Óbvio, mostrar o racismo nos seus mínimos detalhes, nas questões que são imperceptíveis para a maioria da sociedade.
Para Zaqueu, é um tema que deve ser discutido durante todo o ano, não apenas em novembro, mês da Consciência Negra.
"Estou concluindo um doutorado em história social, pesquisei ao longo da minha vida acadêmica os processos de desenvolvimento urbano industrial a partir da experiência de Feira de Santana e fui percebendo que os nossos problemas urbanos também têm uma relação muito forte com o racismo".
Relação do racismo com as enchentes
"Existe uma correlação, vimos esses dias nas redes sociais, falar-se muito sobre o racismo ambiental, o que experimentamos em Feira de Santana, apesar dos alagamentos terem ocorrido em todos os bairros da cidade, podemos ter certeza, que se você for nos bairros periféricos, onde a maioria da população é negra, você encontrará famílias que sofreram os maiores danos, não é por acaso que as famílias negras moram nas regiões periféricas, pelo contrário, é justamente por causa da nossa história racista que acabou orientando a sociedade brasileira a se organizar a partir de uma perspectiva da aristocracia da concentração de terra e de renda, que fez com que os brancos mais ricos ficassem com os melhores terrenos e os negros mais pobres nas piores áreas da cidade, justamente as áreas que mais alagaram".
Porque o nome do curso Racismo Além do Óbvio
"Porque o óbvio do racismo é ouvir uma pessoa criticar o nariz, a boca, o cabelo ou comparar uma pessoa negra a um macaco, usando esse mecanismo para atingir a autoestima, só que o racismo vai muito além disso, está incluído nos consultórios médicos, tem essa relação com os problemas urbanos, com o salário que as pessoas negras recebem quando estão no mercado de trabalho, a recepção que uma pessoa negra apenas por sua aparência, quando um homem negro vai em algum estabelecimento, se não estiver muito bem apresentado para além da média e mostrando suas credenciais, você pode vir a ser tratado como um qualquer, é óbvio que temos lutado muito para acabar com essas condições, mas é para além do óbvio, está no subconsciente das pessoas, na forma como veem e os que elas esperam das pessoas pretas, não se espera que tenhamos um radialista comandando uma bancada ou que tenhamos doutores no topo da carreira acadêmica no Brasil sendo pessoas negras".
"O racismo limita as pessoas pretas"
"Tenho que provar que não sou mendigo, isso é apenas mais uma confirmação do racismo que coloca o penteado afro como o estilo dos empobrecidos, daquele que não tem dignidade, quem vê Zaqueu de dreads vê um capoeirista, não que eu não seja, mas, sou muito mais do que isso, o racismo limita as pessoas pretas, a expectativa para os homens e mulheres negras sempre são de que elas estejam na base da pirâmide social.
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Para Zaqueu, a situação do negro melhorou, mas ainda há muito pelo que lutar
"Costumo responder para as pessoas, principalmente as mais pessimistas, que o plano da branquitude quando foram na África sequestrar nossos ancestrais e trazer para cá em um navio negreiro, era que nosso povo ficasse na senzala até os dias de hoje trabalhando de graça, foi graças a luta dos nossos ancestrais, que hoje estamos aqui usando esse meio de comunicação para tratar dos nossos problemas em busca de melhor dignidade, se pensarmos que já estivemos na senzala, caminhando com corrente nos pés e trabalhando de graça para eles, hoje a nossa vida está muito melhor, costumo dizer que somos o sonho dos nossos ancestrais, quando o seus avós estavam na senzala pegando peso, imaginavam que um dia teria um neto ou bisneto que estaria numa condição que não fosse de submissão, que pudesse sonhar, viver e fazer planos para a sua vida, que extrapolassem as correntes, a humilhação e o trabalho imposto pela escravidão, então digo que tem melhorado sim, mas temos muito o que lutar".
O que falta?
"É importante dizer que não fomos nós que começamos essa confusão, não foram os negros que invadiram a Europa, nem tomamos nada de ninguém, pelo contrário, ao longo da história, as pessoas negras têm lutado pela restauração da sua dignidade, é importante tratar de cotas, porque é justamente sobre isso que o curso Racismo para Além do Óbvio vai, porque é focado nesse primeiro ponto no ambiente escolar, a maior parte das pessoas passa muitos anos de sua vida no ambiente escolar, que no Brasil não é preparado para receber crianças negras, muito menos para ajuda-las a restituir sua dignidade naquilo em que foi subtraída, muitas pessoas por ignorarem o impacto do processo de escravidão na vida das pessoas negras e o fato que, quando a escravidão acabou, as pessoas negras não receberam indenização, trabalhamos por séculos, foram mais de 350 anos de escravidão no Brasil e muitas famílias perderam tudo por causa do processo de escravidão, que ao acabar, nenhuma família negra recebeu nenhum tipo de indenização ou política pública para diminuir o impacto do racismo, temos as cotas como um primeiro passo no sentido de restaurar de a dignidade que as pessoas negras no Brasil perderam a partir do processo da escravidão, que não tinham direito a educação formal, isso impediu o desenvolvimento das pessoas negras, as pessoas negras que vemos em condição de pobreza, em mendicância, morando nos piores lugares, devemos pensar: se não tivesse passado 380 anos, com o grupo da branquitude prejudicando as famílias negras, será que estariam nessas condições? As contas vem no sentido de dar a possibilidade dessas pessoas restaurarem sua dignidade".
Alagamento no município existem há mais de 30 anos
"Minha pesquisa se relaciona ao zoneamento urbano em Feira de Santana, venho pesquisando desde a década de 60 o processo de estruturação, organização e ocupação do território do município, fontes de 20 de janeiro de 1978, que mostram alagamento e desabamento de casas em Feira de Santana na região do Centro devido às fortes chuvas, esse é um problema que a administração pública de Feira de Santana vem enfrentando e sem conseguir vencer há mais de 30 anos".
Pessoas pretas empurradas para os piores lugares
"O zoneamento serve para isso, dizer qual a região pode ser ocupada para moradia, comércio, indústria ou que não deve ser ocupada, uma vez que essa região corre risco de alagamento, no caso de Feira de Santana, que é conhecida como a cidade Olhos d'Água, temos muitos brejos e lagoas, muitas vezes tem essas regiões ocupadas de forma irregular, por causa do impacto do racismo. É justamente por causa do racismo, de uma perspectiva e visão de mundo de mundo que considera que as pessoas negras devem estar nos piores locais, é que acabamos vendo uma cidade que cresce de forma que as pessoas negras sejam empurradas para as encostas, beira dos riachos e lagoas".
Assunto deve ser discutido durante todo o ano
"O racismo deve ser discutido durante todo o ano porque experimentamos o impacto do racismo na nossas vidas todos os dias, quando uma mulher negra sai na rua e é desrespeitada, isso ocorreu também por ela ser negra, quando um homem na rua é parado na rua sem uma justificativa aparente, sofre uma revista às vezes violenta, tem um componente do racismo, uma vez que não é só o homem negro que está na favela, periferia ou nas calçadas que sofre abordagens violentas, existem muitos exemplos de pessoas que relatam que não estavam fazendo nada e mesmo assim sofreram esse tipo de abordagem, isso tem a ver com uma visão de mundo que diz que homens negros são mais perigosos".
Por que alguns negros praticam racismo?
"Essa é uma questão que retorna para a sala de aula, se temos crianças que aprendem que pessoas negras são mais perigosas, lascivas, ou seja, as mulheres negras são mais fáceis, os homens negros são mais violentos, tendem a usar drogas, são alcoólatras, se você aprende isso desde pequeno, mesmo sendo uma pessoa negra, costumo chamar isso de auto ódio, se você aprende desde criança que para pessoas de pele preta é destinada a maior violência, existem pesquisas que apontam por exemplo, que nas experiências de obstetrícia ou ginecologista, quando tem de fazer alguma cirurgia, recebem menos anestesia, porque existe uma crença baseada no racismo que mulheres negras aguentam mais dor".
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Reportagem: Luiz Santos e Hely Beltrão
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