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Palco Cultural Novembro Negro

Hely Pedreira: Estudo como ferramenta de emancipação e antirracismo

Superação

11/11/2020 11h03
Por: Ana Meire Fonte: Conectado News
Foto Arquivo pessoal
Foto Arquivo pessoal

 

Hoje, 11 de novembro, o Conectado News traz para vocês mais um belo capítulo da vida real, com muita superação e aprendizado, no Filhos e Filhas da Resistência. 

Vos apresento a professora Hely dos Santos Pedreira,uma verdadeira lição de vida!

Ela contou sua trajetória para o Conectado News: ”durante 30 anos, atuei na rede municipal de ensino, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental 1, na gestão de uma escola de Ensino Fundamental 1 e 2 e na coordenação, trabalhei com a EJA (Educação para Jovens e Adultos), ou seja, transitei em todas s áreas do campo da educação, em Feira de Santana. Isso foi uma experiência muito interessante e boa, que nos faz crescer. Nasci no bairro do Aviário, sou a primeira de 5 irmãos, hoje sou mãe de 1 casal de filhos e avó de 1 casal de netos. Então, a nossa trajetória foi toda no bairro do Aviário, nos constituímos aqui, somos de uma classe social de baixo poder aquisitivo, sempre estudamos em escola da rede pública, porque era essa a nossa realidade, somos filhos de pais pobres, meu pai tratorista e minha mãe dona de casa que, mais tarde se tornou agente de saúde da comunidade. Diante dessa realidade, nós tivemos muita dificuldade de estudar,  de ter acesso a outros bens, essa era a realidade do bairro, que era considerado um bairro rural e hoje, periferia, pelo entendimento que eu possuo hoje, acredito que tinha semelhanças de uma comunidade quilombola, por conta dos dados de parentesco, às organizações daquele ambiente.Estudamos na escola daquela comunidade e, desde muito criança, eu não entendia o porque de ser tão maltratada pelos colegas, pelas outras crianças daquela comunidade, como se eu fosse a única criança negra daquele espaço, já que todos os outros pares eram da mesma origem. Fomos crescendo e nos constituindo ali naquele espaço, dentro dessa lógica já perversa. Desde muito cedo, eu pude experimentar a crueldade das situações racistas e isso, em alguns momentos, me trouxe muito sofrimento e em tantos outros me ajudou na emancipação, mas essa ajuda veio a partir do incentivo dos meus pais, que era  que eu estudasse para superar essas dificuldades, só o conhecimento iria fazer com que nós superássemos essas dificuldades e que, infelizmente, o mundo era assim muito cruel e via isso como algo normal, inerente, e que deveria ser a normatização para o povo negro. Mesmo assim nossos pais nos ofertaram a ferramenta de emancipação, que foi o estudo.”

“A minha vida inteira foi passando por esses conflitos raciais, tanto na Escola de Ensino Fundamental 1, Ensino Fundamental 2, depois no 2º grau, tanto na academia, quando mais tarde eu fui fazer o curso acadêmico na UEFS. Então, aqui e ali estava sempre passando por algum tipo de situação constrangedora, mas eu sentia muita necessidade de estar com pessoas para dialogar sobre isso e entender o porque dessas situações e ver de que forma poderia ser feito algo para amenizar, minimizar essas dificuldades, daí nasce a necessidade da militância e eu comecei a buscar grupos que pudessem me acolher para discutirmos essas questões e vermos de que forma isso poderia ganhar um outro caráter, que essas situações pudessem se transformar mesmo em força propulsora para conseguirmos lutar contra um sistema perverso que nos oprime, nos humilha, nos invisibiliza todos os dias. Enquanto professora, já que era algo que me incomodava bastante, sempre busquei trabalhar numa perspectiva de educação antirracista, porque eu pensava muito que os meus educandos não deveriam passar por tudo aquilo que eu já passei um dia, eu pensava sempre como buscar ferramentas para que esses meninos e meninas se empoderassem – interessante que, na época, não usávamos o termo empoderamento -, mas já trabalhávamos nessa perspectiva do empoderamento, já fortalecíamos as crianças, para que elas não passassem por tantas dificuldades ou, se passassem, tivessem ferramentas para conseguir fazer esse enfrentamento. A minha busca era incansável, incessante, e aí entra o valor do conhecimento ancestral, sempre procurando saber das pessoas que vieram antes de mim como eu poderia desenvolver um trabalho na minha escola, como eu poderia também fortalecer também a minha identidade negra, na perspectiva de fazer com que eu tivesse um repertório também de defesa e fizesse com que os meus educandos tivessem acesso a esse repertório, pelo menos, para se defenderem e lutarem contra esse estado de coisas”, detalhou a professora.

Hely continuou: “com o passar do tempo, nós nos organizamos em grupo, conheci o pessoal do “Olhar de Negros” e aqui em Feira de Santana, durante 6 anos, nós desenvolvemos o Dia da Mulher Negra, que é uma data internacional, hoje institucionalizado com Dia de Teresa de Benguela. Pensando numa educação antirracista, no tempo em que no currículo da academia ainda não tinha uma disciplina que contemplasse essas discussões, então sentíamos muita carência disso e fomos aprendendo com a caminhada e com as trocas com nossos pares, procurando o conhecimento com outras pessoas e daí, procurando desenvolver algumas questões. No momento da implementação da Lei 10.639, que institui o ensino da cultura africana e afro-brasileira no Ensino Fundamental nas escolas, isso proporcionou um ganho bem interessante e conseguimos desenvolver com mais segurança algumas atividades. Percebemos o valor de se ter uma educação antirracista, antissexista, antihomofóbica, buscando conhecimentos na literatura, na busca dessa auto afirmação identitária, na valorização do nosso legado ancestral e contemporâneo.”

“Um dos meus maiores sonhos é ver a nossa sociedade conviver de forma harmoniosa, sem esses conflitos, sem os grupos supremacistas brancos quererem evidência sempre, mas que possamos viver de uma forma harmoniosa e democrática, com equidade, em que algum momento não seja preciso ações desenvolvidas para determinado grupo, porque teríamos todos igualdade de oportunidades, ver todos os grupos serem contemplados com igual valor. Esse é um dos sonhos que eu tenho e luto, perseguindo esse sonho. Por isso que, a cada dia, desenvolvemos uma ação, pensamos, agimos, refletimos, na busca desse sonho”, concluiu Hely. 

2 comentários
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Soane Carolina Pedreira da SilvaHá 5 anos Feira de SantanaEu tenho muito orgulho da mãe que tenho. A senhora é uma mãe, avó, tia, filha, amiga incrível!
DomingosHá 5 anos Feira,BaParabéns Hely.
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