Desde o período escolar, estudamos a história da independência do Brasil, onde, às margens do Rio Ipiranga, o Imperador D. Pedro I deu o famoso grito: Independência ou morte! Mas, será que foi exatamente desse jeito? O quadro do artista Pedro Américo, retrata a realidade? Foi D. Pedro que realmente declarou a independência?
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Em entrevista à jornalista Emanuele Pilger do Programa Primeira Página da Rádio Povo FM, O Dr. em História pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) Paulo César Oliveira de Jesus, desmistifica tudo isso e enaltece o papel da mulher no processo de independência.
"Não apenas de Maria Leopoldina, nós, ao longo da nossa história, demos pouca importância ao papel das mulheres na construção da independência do Brasil, Leopoldina tinha um papel político significativo, boa parte das posturas políticas internacionais para o reconhecimento do Brasil na Europa, teve um papel decisivo dela na articulação, mas, os livros de história concentram toda a glória e atenção a Dom Pedro I, quando muito, a José Bonifácio de Andrada, como também, no caso da Bahia, concentramos pouca atenção no papel que as mulheres tiveram no processo, as lutas que conseguiram ajudar a consolidar a independência do Brasil, a exemplo de Joana Angélica, pouco falamos, Maria Quitéria, que foi lembrada nos 200 anos de independência da Bahia, mas, se pegarmos um livro de história da década de 80 a 90, essas mulheres sequer eram citadas. É importante que compreendamos que a nossa consciência histórica se constrói quando somos capazes de perceber quais os elementos dispostos na vida cotidiana que apagam, diminuem e omitem o papel que mulheres, negros e pobres tiveram na construção do nosso país, não apenas Leopoldina, mas, Joana Angélica, Maria Quitéria e tantas outras que estavam imbuídas da tarefa de construir aquilo que chamamos hoje de Brasil. Um dado que gostaria de ressaltar, é o fato de que construímos a ideia de que a independência foi um caso pacífico, tranquilo, que Dom Pedro I com a espada erguida gritou independência ou morte já éramos independentes, estávamos construindo o nosso país. Não foi bem assim. O processo de independência foi pavimentado por uma série de conflitos bélicos, pessoas morreram, perderam casas, homens negros foram mortos em batalhas e não tiveram seus nomes registrados na história, batalhões de homens pretos tiveram atuação fundamental na expulsão de tropas portuguesas que estavam em províncias chaves do Brasil, no Rio de Janeiro, na Bahia, Pernambuco e no Pará, houve muita luta para que os portugueses fossem expulsos, além dessa luta física direta, tivemos também uma luta política, para que os sujeitos que participaram desse processo fossem reconhecidos como brasileiros, lamentavelmente a população negra que participou ativamente desse processo foi mantida escravizada e não teve esse papel reconhecido. Ao que se registra, que nos tornamos independentes em 7 de setembro de 1822, mas a abolição da escravatura só foi conquistada através de muita luta da população negra em 13 de Maio de 1888, para se ter uma ideia da distância temporal em que passamos a poder desfrutar da possibilidade de ser reconhecidos como cidadãos brasileiros", disse.
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Paulo Cesar também conta sobre a história dos desfiles, afirmando que na época, não se tinha uma valorização da data como ocorre atualmente. Isso só passou a ocorrer após o início do Brasil República, em 1889.
"Precisar a origem é um pouco complicado porque todos os dias uma pesquisa nova nos apresenta é um dado importante, no caso do desfile cívico do 7 de setembro, passa a ser uma comemoração de afirmação da identidade nacional, sobretudo, depois do período republicano, não era uma data valorizada no período do Império, nem com Dom Pedro I ou D. Pedro II, se tinha uma comemoração tão animada desta data. D. Pedro I, até pelo fato de ser filho do próprio Dom João VI e em alguma medida herdeiro do trono português, louvar o 7 de setembro, transformar numa data grandiosa no Brasil, não seria para ele de bom tom e para D. Pedro II, em alguma medida, você tinha um Imperador brasileiro que estava ainda consolidando aquilo que chamamos de nação brasileira, portanto, o 7 de setembro é muito mais uma realidade pós república, após 1889, onde esse sentimento de pertencimento, a noção de ordem e progresso que caracteriza a nossa bandeira, acabam servindo como elo unificador de uma nacionalidade e que acaba pautando uma identidade, então esses desfiles, as fanfarras, os cortejos, todo esse aparato do estado que se mobiliza para comemorar o 7 de setembro é muito mais no sentido de consolidar uma identidade nacional, está no conjunto de ações empreendidas pelo estado com o intuito de reforçar a nossa identidade de ser brasileiro. As pessoas lembram muito pouco dessa questão da identidade, mas o 7 de Setembro aparece como uma data importante para isso, basicamente, os desfiles, essas festas cívicas surgem no momento em que se precisa consolidar aquilo que chamamos de identidade nacional", reiterou.
A respeito da pintura feita pelo artista Pedro Américo, com o intuito de retratar o episódio, Paulo Cesar aponta diversas inconsistências. "Não aconteceu como retratado na pintura", disse o historiador.
"O quadro pintado por Pedro Américo na verdade faz parte dessa ideia de construção de identidade nacional, foi pintado aproximadamente 100 anos depois do processo de independência, acredito que por ocasião da comemoração do primeiro centenário da independência. O quadro de Pedro Américo, na verdade é uma idealização do que teria sido o grito do Ipiranga, pois, sabemos que o Ipiranga na verdade não é um grande rio, pelo menos no trecho que Dom Pedro I estava, era basicamente um riacho, quem visualiza o quadro pode ver que a comitiva oficial do Imperador está toda vestida em trajes de solenidade oficial, é importante que se diga que isso não é verdade, Dom Pedro regressava de um conjunto de ações que estava fazendo em Minas e São Paulo, tentando organizar uma adesão a um projeto dirigido por ele que seria a independência do Brasil, quando recebe um comunicado de que deveria regressar imediatamente e que as ordens dele não poderiam mais ser cumpridas no Brasil e ele percebe que não havia mais condição nem possibilidade de se costurar uma relação respeitosa entre Brasil e Portugal, na verdade, inicialmente, muitos grupos queriam que o Brasil continuasse com sua posição de colônia de Portugal, que Portugal respeitasse todas as transformações que existiram no Brasil a partir da chegada de Dom João VI em 1808 e se negavam a aceitar as prerrogativas determinadas pelas cortes reunidas em Lisboa que queriam reduzir o Brasil à condição anterior a 1808, por isso, Dom Pedro I estava discutindo com vários grupos uma alternativa a essa questão, na verdade, era um conjunto de ações políticas, o 7 de setembro é a antecipação de uma agenda, portanto, a declaração de independência, por exemplo no caso da Bahia, não foi automática, várias províncias, inclusive a Bahia, tiveram uma série de lutas, para que D. Pedro I fosse finalmente reconhecido como Imperador e assim o Brasil fosse reconhecido como independente. Costumo dizer que o 7 de setembro é a largada oficial do processo de independência, porque na verdade a nossa independência foi sendo construída com o passar dos anos nos quais províncias como Bahia, Pernambuco e Pará foram expulsando gradualmente tropas portuguesas auxiliadas inclusive por portugueses residentes no Brasil, que desejavam reverter a decisão de Dom Pedro I. Outro dado importante que consta na obra de Pedro Américo é que D. Pedro I e sua comitiva estavam vestindo trajes de gala, mas isso não era possível, pois estavam fazendo uma longa marcha, por várias províncias do país, não era possível usar aqueles trajes, os animais utilizados em longas marchas não podem ser cavalos, pois não aguentam percursos tão duros, possivelmente eles montavam mulas ou muares, ou seja, animais que estão muito mais aptos a enfrentar trechos difíceis. Aquele quadro é uma representação, daquilo que o próprio Pedro Américo gostaria como tivesse acontecido", concluiu.
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