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Educação Linguagem

"A linguagem neutra não representa ameaça à língua portuguesa", afirma a professora Bia Crispim

Bia Crispim Almeida professora de língua portuguesa

29/01/2022 11h40 Atualizada há 4 anos
Por: Ana Meire Fonte: Conectado News
Fotos Arquivo pessoal
Fotos Arquivo pessoal

 

Inclusão, pertencimento e identidade são termos que representam o uso não-binário da linguagem. A não binaridade cria uma Identidade linguística  própria para grupos historicamente marginalizados que não se sentem contemplados por essa estrutura linguística pertencente apenas aos gêneros masculino e feminino. 

Nesse contexto de inclusão, a linguagem neutra substitui os marcadores de gênero (“a” e “o”) por  “@”, “X”, e “u” na escrita, exemplo de amigxs” ou “tod@s”e no caso das palavras pronunciadas, “a” e “o” podem ser trocados por “e”, como em “senhore”, “filhe”, “amigue” e “todes”.

O debate sobre uma linguagem não-binária, inclusiva ou neutra tem ganhado espaço e levantando opiniões diversas acerca deste assunto. O professor de língua portuguesa Natival Neto, especialista em linguística explica que esse debate  não é exclusivo do português do Brasil. “Essa proposta de uso não-binário da linguagem acontece como debate de discursos anteriores sobre gênero e linguagem e esse é um movimento que se inicia com um uso não sexista da língua. Você encontra esse debate na língua inglesa, alemã, francesa, italiana”, explicou em entrevista ao Conectado News.

Entre aqueles que  se opõem à adoção da linguagem neutra alegam que a língua portuguesa já seria neutra. Conforme Bia Crispim Almeida professora de língua portuguesa, colunista e militante LGBTQIA+, “na prática existe um sexismo dentro da língua que coloca esse “O” como masculino hegemônico e não como forma de neutralidade.  A língua viva  sempre irá experimentar novas intervenções sobretudo na fala e a língua neutra tem o papel de representar as pessoas que não se enquadram em um processo de binaridade”, disse ao CN.

Ao contrário do que algumas pessoas pensam, a linguagem neutra não representa qualquer ameaça à língua portuguesa. “Isso não irá mudar a língua portuguesa, mas isso não impede que determinados grupos, em determinadas situações, na construção de determinados textos não possam se utilizar dessa não-binaridade”, afirmou Bia. 

Outro questionamento são as implicações gramaticais do uso da linguagem neutra, principalmente na concordância. “Quando uma manifestação linguística, sobretudo na fala, ocorre vai haver algumas relações de concordância ou discordância dentro da língua, mas isso não é uma interferência gramatical, pois não está no âmbito da gramática, ela não está sendo discutida por gramáticos, ela não está sendo implantada na gramática, ela está no âmbito sócio pragmático, ou seja, funciona na prática no processo de sociabilidade”, salienta a professora. 

Erro Gramatical 

De acordo com o professor Natival, “em relação à norma padrão obviamente que será tratada como um erro essa abordagem não-binária do gênero linguístico, pois a norma padrão portuguesa no geral  reflete do uso de uma produção literária de um dado período da língua, século XIX, que tem essa ideia cristalizada da língua. 

Bia completa a fala do colega. “Não é porque não é correto na gramática que não podemos usar na prática. No nosso cotidiano não seguimos normas gramaticais o tempo todo, sobretudo na fala, a mesma é livre. Podemos produzir estrutura de falar livremente. Todo processo que permite comunicação é permitido e deve ser estudado de acordo com o local, grau de escolaridade, região e todos os fatores que produz linguagem”, completa. 

Natival exemplifica. “Vários usos que são prescritos nas gramáticas tradicionais não encontram correspondência na língua contemporânea. Você encontra o vós na gramática, mas você não encontra o vós na língua contemporânea, nenhum falante do português brasileiro aprende o vós dentro do seu sistema pronominal, aprende vocês”, justificou. 

Reforma Ortográfica 

O Professor Natival afirma que é muito improvável uma reforma ortográfica em torno desse fenômeno. “A língua em uso é dinâmica, enquanto a gramática é cristalizada. Norma tem a ver com um conjunto de usos que são normais para determinados grupos linguísticos. Mas o debate não está no certo ou errado e sim na manifestação da existência desses grupos sociais”, afirmou. 

Segundo a professora Bia Crispim, para haver uma reforma ortográfica, é necessário um consenso de todos que estão à frente desse processo. “Uma reforma ortográfica que atenda especificamente a linguagem não-binária em um país homotransfobico como é o Brasil  é quase impossível, mas isso não impede os grupos de fazerem a utilização. A língua é viva e a linguagem é livre”, disse. 

Educação básica 

O uso do gênero neutro na língua portuguesa é tema ainda polêmico, principalmente quando se refere a implantação dessa neutralidade na educação infantil, a falta de conhecimento e o conservadorismo são os principais entraves. 

Conforme o secretário Estadual de Educação Gerônimo Rodrigues a escola não pode fugir do seu papel e cumprir o currículo e a quantidade de horas exigida. “ A escola precisa ir se adequando às mudanças estabelecidas pela sociedade, precisa respeitar e incluir”, afirmou. 

O uso não-binário da linguagem é tema de projeto de lei em 19 estados brasileiros e no Distrito Federal. No total, 34 propostas têm como objetivo impedir a variação gramatical. Natival esclarece que “essa questão binária é mais política do que um impedimento normativo, é mais o querer aceitar, pois a língua em uso não funciona sob decretos de leis, se a gente pensar a gramática padrão em forma de decreto a língua continuará existindo. Muitos falantes não têm acesso à gramática e continuam se comunicando perfeitamente. Se uma comunidade linguística demandar um determinado uso, ele continuará existindo independente de lei”, esclareceu. 

Para concluir, Bia Crispim chama a atenção para a riqueza dessas novas expressões e maneiras de falar. “Em alguns textos meus eu faço questão de usar a linguagem não binária, mas não uso em todos, pois não vejo necessidade de utilizar sempre a mesma linguagem, eu tenho a liberdade de usar mais de uma linguagem. Se eu estiver na academia eu sei que o nível de linguagem que vou utilizar é um, mas se eu estiver diante dos meus colegas será outro. Se for um texto para a comunidade LGBTQIA+ eu vou usar uma linguagem especifica. Se for para as pessoas que precisam entender o movimento, as pautas da transexualidade, eu vou utilizar outra linguagem, se eu dou uma entrevista utilizo outra  linguagem. Não temos uma única forma, mas adaptamos a diversas ocasiões", concluiu.

 

 

Reportagem Engledy Braga e Luiz Santos

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Isabel dos Santos Há 4 anos Feira de Santana "Todes" contentes com a matéria! Parabéns!
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