Terça, 02 de Setembro de 2025
(75) 99168-0053
Geral Conheça

Conheça a trajetória de lutas e conquistas de Isabel de Jesus

Conheça a trajetória de lutas e conquistas de Isabel de Jesus

06/11/2020 06h07 Atualizada há 5 anos
Por: Conectado News
Conheça a trajetória de lutas e conquistas de Isabel de Jesus

 

Filhos e filhas da resistência é a nossa série em homenagem aos nossos irmãos negros, que tem muito a nos ensinar. Durante todos os dias do mês de novembro traremos incríveis histórias. Cada depoimento serve de reflexão, inspiração e muito, muito respeito.

A nossa personagem da vida real de hoje, 06 de novembro, é uma mulher de fibra, com M maiúsculo, ou melhor, com I maiúsculo. Isabel é o nome dela! E essa mulher, que até no nome é abençoada, nos deu a honra de termos acesso a um pouco da sua belíssima história. Embarquem com o Conectado News nesse mar de aprendizado, que é a vida de Isabel de Jesus Santos dos Santos.

“Sou quilombola, da Lagoa Grande, do distrito de Maria Quitéria. Fiz graduação em Engenharia Agronômica, passei no Vestibular no ano de 2002, na época, com isenção do vestibular, a taxa de inscrição custava em torno de uns R$100,00. Na época fazia tudo em Salvador, eu era da roça, mas fui pra Salvador fazer tudo isso. Tive o apoio de uma prima e fiz a graduação na UFBA (Universidade Federal da Bahia), mas no meio do caminho virou UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia). Depois eu fiz uma especialização em Educação do Campo pela UFRB. Posteriormente, eu fiz um mestrado em Extensão Rural, na Universidade Federal Rural de Pernambuco; fui pra Pernambuco também, fazer esse mestrado e foi muito maravilhoso!”

Sobre as dificuldades encontradas na vida, enquanto negra e mulher, Isabel disse: “negro quando nasce já é cheio de dificuldades porque existe um processo de preconceito historicamente construído. Então eu tive essa trajetória toda, foi muito difícil para mim, primeiro por ser negra, e depois, também, por ser mulher, principalmente na minha profissão, que é uma profissão genuinamente masculina. As maiores dificuldades que eu encontrei na vida, no primeiro momento, desde criança, foi a minha autoestima, porque eu estudei no povoado de São José e, quando a gente subia a ladeira andando, o povo já gritava ‘já vem os nego da Lagoa Grande!’ Então é muito preconceito desde criança. Minha mãe é uma pessoa analfabeta, meu pai tinha um pouco de leitura, e minha mãe colocava a gente pra ir pra escola de manhã cedo. Ela era de um terreiro muito grande de Cachoeira, entendia tudo e falava ‘meus filhos precisam estudar, eu não sei ler, mas meus filhos precisam estudar’. O preconceito destrói as pessoas por dentro, a gente começa a se sentir muito inferior com relação aos outros, os outros te tratam diferente. Então, quando a gente sai daqui que vai pra, por exemplo, Recife, eu sofri muito preconceito, chorava. Aqui na Bahia eu não sofri tanto como sofri em Pernambuco. Mas aqui na Bahia a gente discutia porque era que as nossas questões não apareciam dentro do currículo dos cursos superiores, de 2002 até 2009.”

“Na verdade eu não sonhava em ser professora. Ao contrário, eu fiz o curso técnico em Agropecuária porque eu via a minha irmã, que fazia Magistério, só cortando, e eu dizia que aquela vida eu não queria pra mim, ficar cortando papel. Como eu sou um pouco revoltada com a situação, eu dizia ‘eu não vou ficar cortando papel’. E nesse ‘não cortar papel’ eu fiquei sem estudar. Mas aí, um primo meu descobriu a Escola Agrotécnica e me chamou. Fui pra lá feliz da vida e foi lá que eu me encantei com a Agronomia. Fazia parte do Programa de Educação Tutorial, que é um programa que trabalha o ensino, pesquisa e extensão nos cursos de graduação, de certa forma, prepara os discentes para um muno diferente, o mundo acadêmico, pra serem futuros professores, e aí eu fazia monitoria voluntária, comecei a ensinar e tomei gosto pelas coisas. E logo eu recebi convite pra fazer ensinar na Escola Família Agrícola do Sertão, fui pro CEEP de Cícero Dantas, fui para a UNEB (Universidade do Estado da Bahia) de Euclides da Cunha e fiz um concurso em 2016 na UFRB e passei, concorri com vários Doutores, mas eu, com mestrado, consegui passar.”

A professora falou porque é favorável ao sistema de cotas nas universidades: “existe um histórico de reparação social dos nativos, que são os indígenas, e dos negros porque esses dois povos sofreram historicamente e ajudaram na construção social do mundo. Para reparação desses sujeitos é necessário ter as cotas. E dentro desse processo todo histórico, nós encontramos o racismo estrutural, discutido principalmente pelo autor Sílvio Almeida. Como é este racismo aqui no Brasil? É velado e é explícito porque o atendimento dentro dos serviços público é diferente, o acesso desses sujeitos negros e povos indígenas dentro dos serviços públicos também é diferente. Aí eu vou trazer uma frase, que uma sobrinha minha de 04 anos, me perguntou: ‘tia, por que é que eu não sou atendida? Nunca fui atendida por um médico preto, uma médica preta?’ Isso é racismo estrutural, porque as estruturas do governo não possibilitam a inserção dessas pessoas negras em determinados cursos; por isso as cotas, que as cotas irão pintar as universidades. Além disso, por exemplo em um banco, é difícil a gente encontrar bancários negros, juízas negras e indígenas. Então são nesses espaços que a gente precisa falar do racismo estrutural. E é explícito mesmo, porque eu, que sou negra, mesmo eu sendo professora universitária, as estruturas pra mim são bem mais diferentes do que para as pessoas, vamos falar assim, de pele clara.”

E concluiu: “a questão das mulheres negras, que elas temem sobre a violência que os filhos podem sofrer neste mundo, e principalmente, neste Brasil, neste caso, desde criança, principalmente por causa da nossa ancestralidade da arte, nos ensinamos as nossas crianças a gesticularem com os corpos. Então é a capoeira, a dança, é a ginga e nesse gesticular com os corpos, na sua juventude, chega um momento que nós tememos a violência policial, a violência contra os nossos corpos. As pessoas que mais foram assassinadas no campo foram as pessoas das comunidades quilombolas. Quando pegamos os noticiários, vamos verificar a matéria, ver as imagens dos sujeitos, são jovens negros. Infelizmente dizem que todos eles são bandidos. Então é este o temor que nós, mulheres negras, sofremos. Quantos inocentes morreram, quantos inocentes foram assassinados? E isso nos causa muito temor.”

 

Conectadonews.com.br

Foto Arquivo Pessoal

1 comentário
500 caracteres restantes.
Comentar
RAVI EMANOEL DE MELO Há 11 meses Recife Isabel foi minha professora na graduação em Engenharia Agronômica. Muito feliz em vê-la ser inspiração para outras pessoas. Querer é poder!
Mostrar mais comentários
* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.