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Zaqueu: A história do doutorando em história

Zaqueu: A história do doutorando em história

04/11/2020 10h52 Atualizada há 5 anos
Por: Conectado News
Zaqueu: A história do doutorando em história

 

Iniciamos hoje (04/11); uma série de depoimentos emocionantes, que vão inspirar cada um de vocês, leitores e leitoras do Conectadonews.com.br, serão histórias reais de negros e negras, que superaram e continuam superando, dia após dia, todos os desafios causados pelo preconceito, que é algo tão desumano. Bem-vindos à editoria Filhos e filhas da Resistência.

O nosso primeiro enredo da vida real é o de Valter Zaqueu Santos da Silva, 33 anos, doutorando e Professor de História, que pesquisa o Processo de Desenvolvimento Urbano e Industrial no Brasil e a Influências do Racismo nesse Processo, que envolve o processo de favelização e as formas como as pessoas podem ocupar as cidades. Batemos um papo enriquecedor com Zaqueu, que nos contou um pouco da sua vida.

“A minha forma de pesquisar tem a ver com a minha vivência em Feira de Santana, subir e descer nas ruas de Feira pra pegar ônibus, tem a ver com ‘bater paletada’ da Mangabeira pro Feira X ou da Mangabeira pra Santa Mônica pra assistir aula no CETEB e tem a ver com o pensar em porque que é difícil ter direito à cidade. Então eu tento, a partir da minha trajetória de homem negro, de morador da Mangabeira, de preto feirense, entender como é que a cidade funciona.”

“Minha mãe é professora e eu tive perto de mim muitas influências positivas, meu pai também sempre me estimulou a estudar, um cara muito inteligente, ele sempre ficava me desafiando, minha mãe também. Eu tenho um primo, que é Advogado e Policial Militar e ele me estimulava sempre que me visitava, ficava falando em filosofia e em história e isso me fazia pensar e queria ser Embaixador, queria trabalhar com Relações Exteriores.Depois eu comecei a adequar isso para a minha realidade e comecei a desejar ser um cientista social, ser um professor, alguém que tivesse que mexer com gente, entender essa coisa de sociedade; eu sempre gostei de atlas, de ler, de aprender. Sala de aula para pessoas pretas e pobres é sempre um espaço de dificuldade, a escola no Brasil não é pensada para pessoas negras, e a escola pública, onde as pessoas negras estão em sua grande maioria, é uma escola que enfrenta um conjunto enorme e dificuldades, mas as minhas dificuldades estão mais ligadas a experiências de racismo em sala de aula, porque eu estudei em escolas particulares de Feira de Santana e escola particular de Feira pra um menino negro, da periferia, é um ambiente hostil, porque o racismo é constante e vem de vários lados. Eu venho de uma trajetória em que eu sempre fui o único menino preto da sala, até hoje no Doutorado, o único retinto da sala ainda sou eu.”

E continuou: “a gente vive numa sociedade racista, as pessoas me veem quase sempre com o olhar do racismo, eu só não sou visto com o olhar do racismo quando tô entre negros, e mesmo assim, mesmo as pessoas negras se olham pelo olhar do racismo, a gente aprende a desconfiar de homem preto, a gente aprende a temer o homem preto, porque o homem preto é visto como um potencial marginal, um cara que vai ser violento a qualquer momento. Tenho lembranças de várias experiências de quando entro pela primeira vez em sala de aula, principalmente quando é em faculdade particular, quando o público é de maioria branca, sempre rola um espanto. Isso tem a ver com o estereótipo que o homem negro tem, de nunca ser o sujeito que se dedica a trabalhar com as faculdades intelectuais. Então, o homem negro nunca é Advogado, nunca é Radialista, nunca é Professor, nem é Médico, nem Juiz; o homem negro está sempre nas posições de pegar pesado, que não é necessariamente uma profissão ruim, mas tem a ver com o fato de que, na nossa sociedade, trabalhar pegando pesado tá ligado diretamente à pele preta.”

Ainda sobre sua trajetória, Zaqueu contou: “tenho experiências inúmeras com racismo, já fui impedido de entrar na faculdade onde eu ensino, já fui questionado no corredor por um segurança, às vezes eu faço piada com isso. Isso interfere, desestimula. Eu acho que pessoas negras quando se dedicam a carreiras acadêmicas, porque estudar e trabalhar é a realidade de quase todas as pessoas pretas no Brasil, já torna difícil a nossa experiência e ainda esse ambiente de estudo é marcado por uma experiência racial, que tende a tornar pior a sua passagem por ali, isso puxa você pra baixo.”

“Eu acredito que a vida da comunidade negra é marcada por dificuldades e eu acho que tem espaços em que você pode enfrentar maiores ou menores dificuldades, e ainda vivemos em uma sociedade heteronormativa, onde o padrão é ser homem branco. Eu não cheguei aqui sozinho, tem gente se sacrificando pra eu seguir adiante, amigos, parentes, meus pais, pessoas que estão no meu convívio, meus vizinhos; então eu acredito que, qualquer pessoa preta, mesmo que ela não tenha concepção de coletividade, ou mesmo que ela não se entenda como uma pessoa negra, quando essa pessoa negra conquista algum tipo de vantagem social, sejasua casa, seu próprio transporte ou ganhar mais o que um salário mínimo, ela é vitoriosa, mas ela venceu com a comunidade preta. Eu quero chegar o mais longe que der, porque eu tô indo com uma comunidade preta. O racismo é como uma âncora, puxando a gente pra baixo, e enquanto eu tiver força eu tô indo”, concluiu Zaqueu.

Continuem acompanhando, aqui no Conectadonews.com.br, os próximos capítulos de Filhos e filhas da Resistência.

 

Conectdonews.com.br

Foto Arquivo Pessoal

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